O tão temido inverno europeu se aproxima e a solução para o conflito entre a Ucrânia e a Rússia sinaliza estar longe do final. As lideranças dos principais países europeus estão tentando convencer sua própria população, e até mesmo a Rússia, de que a Europa é supostamente capaz de vencer o duelo de sanções com a Rússia com perdas mínimas. Ao mesmo tempo, quase todas as medidas restritivas que entraram em vigor no momento contêm, de uma forma ou de outra, uma cláusula que anula o efeito das sanções quando se trata da compra de hidrocarbonetos da Federação Russa.
No entanto, os políticos europeus precisam mostrar determinação no campo da informação; por isso, no final de fevereiro, a liderança alemã tentou convencer a União Europeia (EU) de que a rejeição dos transportadores de energia russos é real e que a Alemanha, supostamente, tem um plano para evitar consequências negativas em tal cenário. O chanceler alemão Olaf Scholz, falando em 27 de fevereiro com uma declaração especial em reunião extraordinária do Bundestag, disse que a Alemanha decidiu construir rapidamente dois terminais de recebimento de gás natural liquefeito (GNL) em dois de seus principais portos como alternativa ao fornecimento de gás russo, aumentando as importações de GNL.
Scholz afirmou, ainda, que no futuro os terminais de regaseificação poderão receber não apenas gás, mas também hidrogênio "verde". Esta última afirmação deve ser cuidadosamente analisada, dada a sua complexidade.
Primeiramente, não há frota no mundo capaz de fornecer hidrogênio. Quem e como o entregará aos terminais que aparecerão em breve na Europa? Existe apenas um navio no mundo capaz de transportar hidrogênio – o Suiso Frontier (construído em 2019 pela japonesa Kawasaki Heavy Industries). Ele é capaz de transportar apenas 1.250 metros cúbicos de hidrogênio (em estado liquefeito a -253°C). O navio opera entre a Austrália e o Japão há vários anos, mas as autoridades desses países parecem não ter pressa em construir essa frota. A razão é o enorme custo de construção de tal embarcação.
Altamente reativo, o hidrogênio inflama em qualquer contato com o ar ou oxigênio; no mar, só se agrava esse perigo. Dessa maneira, resolver esses problemas requer tecnologias exclusivas. No entanto, a operação de tais embarcações também custa muito caro e isso é reconhecido até mesmo por aqueles que estão desenvolvendo novos protótipos (Ballard Power Systems, Global Energy Ventures, Wilhelmsen Group).
Em segundo lugar, não está claro como armazená-lo nos futuros terminais de GNL europeus. Para evitar a ignição devido ao contato com ar e oxigênio, os tanques de armazenamento devem ser feitos de ligas especiais projetadas especificamente para trabalhar com hidrogênio. Hidrogênio é explosivo, é o gás mais leve que existe e é extremamente reativo. Devido à dimensão da molécula, o gás é capaz de penetrar na estrutura metalográfica de qualquer metal. Não existe, até o presente momento, essa infraestrutura implementada na Europa.
Em terceiro lugar, esse hidrogênio é criado pela geração de energia renovável, que produz eletricidade mais cara do que as usinas convencionais de gás ou carvão. Produzir H2 consome de 3 a 5 vezes mais energia que ele produz. Isso sem contar o custo dos eletrolisadores (dispositivo que permite produzir hidrogênio por meio de um processo químico – eletrólise – capaz de quebrar as moléculas da água em hidrogênio e oxigênio através da eletricidade) e os danos ambientais pelo esgotamento dos recursos hídricos da região onde o hidrogênio será produzido. Seu custo também incluirá os custos de transporte até o terminal (o alto preço da embarcação, mais os custos de energia para manter a temperatura do hidrogênio em -253°C, mais os custos adicionais para liquefazer – cerca de US$ 140/MMBtu).
Por fim, a Europa ainda não possui um sistema de distribuição capaz de entregar esse hidrogênio aos consumidores em seus países. Não apenas a indústria, mas nem mesmo um fogão residencial a gás comum está adaptado para usar hidrogênio em vez de gás natural.
Nos países da UE, se quiserem substituir o gás russo por hidrogênio (não está claro quem o produzirá em tal volume para a Europa), não há infraestrutura, nem rede de distribuição, nem recursos extras no orçamento para despesas adicionais para o compra de tal transportador de energia. Sendo assim, os governos europeus precisam mostrar à população e às elites políticas da Europa um exemplo de adaptação às condições em que surge um sério duelo de sanções entre a Europa e a Rússia. Por isso, começou-se a falar na região do hidrogênio e da iminente construção de terminais de GNL.
Na Europa, de fato, existe uma infraestrutura que impressiona em termos de volume de entrada de gás liquefeito. Em fevereiro de 2022, havia 22 terminais de GNL operando em toda a UE, incluindo o Reino Unido. Cerca de 20 outras instalações estão em construção ou desenvolvimento, no entanto, dada a atual crise energética e a difícil situação do mercado mundial de energia, é difícil dizer se todas elas serão implementadas.
Mesmo que esses terminais sejam construídos rapidamente e colocados em operação, não haverá um único fornecedor que garanta o envio de GNL para essas instalações. Em geral, o problema de garantir o abastecimento de GNL é uma dor de cabeça futura que constantemente paira sobre os países que consomem gás liquefeito em toda a UE, onde os terminais já estão operando. A alta volatilidade dos preços do gás liquefeito no mundo, especialmente nos últimos dois anos, tornou este produto extremamente “caprichoso”.
Os comerciantes mudam regularmente o local das vendas de GNL, dependendo da situação do mercado, e é por isso que a Europa nem tentou lutar com a Ásia por suprimentos de GNL durante quase todo o ano de 2021 – China, Coréia do Sul, Índia, Taiwan e Japão pagaram muito mais. Somente no final de 2021, o Velho Continente conseguiu comprar mais gás liquefeito do que no início e no meio do ano, e não porque estava pronto para oferecer um preço melhor, mas porque a demanda por GNL na Ásia diminuiu temporariamente.
A instabilidade do fornecimento de GNL, se os países europeus recusarem o gasoduto russo, trará caos à segurança energética da UE. Hoje, as usinas oferecem um preço normal por MWh, e amanhã, por falta ou alto custo do gás, o valor será proibitivamente alto. Portanto, a luz amarela está acesa. Este é um problema de demorada solução e não se sabe o preço que o consumidor europeu estará disposto a pagar por um inverno com restrições.
Referências
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Iberdrola.O que é um eletrolisador e por que é essencial para o fornecimento de hidrogênio verde? Disponível em https://www.iberdrola.com/sustentabilidade/eletrolisador. Acesso em 18/09/2022
Megawhat. Novo terminal de GNL é passo para ‘libertar' sudeste europeu do gás russo. Disponivel em https://megawhat.energy/news/146271/novo-terminal-de-gnl-e-passo-para-liberdade-do-sudeste-europeu-do-gas-russo-diz-michel. Acesso em 18/09/2022
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Poder 360. Alemanha quer dois terminais de GNL para reduzir influência russa. Disponível em https://www.poder360.com.br/europa-em-guerra/alemanha-quer-2-terminais-de-gnl-para-reduzir-influencia-russa/ Acesso em 19/09/2022
Petronotícias. Alemanha investe quase três bilhões de euros para adquirir terminais flutuantes de GNL. Disponível em https://petronoticias.com.br/alemanha-investe-quase-tres-bilhoes-de-euros-para-adquirir-terminais-flutuantes-de-gas-natural/. Acesso em 19/09/2022.
UOL Noticias. Hidrogênio como combustível é promissor, mas produção traz desafios. Disponível em https://www.uol.com.br/carros/noticias/reuters/2019/06/29/hidrogenio-como-combustivel-e-promissor-mas-producao-traz-desafios.htm . Acesso em 20/09/2022
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